Da diferença entre o que fazemos e o que achamos que andamos a fazer
Não sei em que preciso momento esta dúvida me assolou. Sei que foi há mais de um mês. E há mais de um mês que este separador tem estado aberto, em branco, à espera que eu encontre resposta à pergunta que me encheu a cabeça num qualquer domingo de manhã, quando tanto eu como o meu cérebro devíamos estar a dormir #sqn:
Se eu tivesse um espaço físico, que nome lhe dava?!?
Hã?!?! Como assim???
Então, quando fiz a formação de consultora, a minha primeira dúvida foi: como me apresentar.
Porquê?? Toda a gente sabe que é consultora que se diz.
Certo, mas consultora para mim é uma pessoa dos números. Por exemplo: Faço consultoria numa empresa. No Dr. Wiki “consultoria” enche uma página de conceitos, chavões e definições todos eles intimamente ligados à economia e à gestão de empresas.
Como alguém sábio disse: “Eu sou consultora numa empresa: dou bitaites [profissionais]!” e isto faz-me sentido. Mas dizer: sou consultora de babywearing sabe-me a: sou soberana em charlatãnisse (se a palavra existe).
Portanto, faz sentido sermos chamadas de “consultoras”??
Foi provavelmente a primeira questão que lancei no grupo dos “meus pares”, aqui em Portugal. Acredito que a maioria tenha pensado, lá vem esta chata questionar, mas pronto, não queres ser consultora podes ser assessora. Pois, mas assessora é de beleza. Assessora, é aquela pessoa que não é carne nem peixe, é a secretária do Sr. Adjunto é a Sra. da Maleta Vermelha ou da Tupperware… (não se ofendam com o meu discurso demasiado preconceituoso, mas estranhamente NÃO estou a ser racional).
Sou educadora? Também há essa corrente, das babywearing educator… mas também não é isso. Como se traduz isto de ser educadora, facilitadora, consultora, profissional de babywearing?!?!?!?
Digamos que obtive vários tipos de resposta, mas continuo a achar que “ser consultora” é um chavão demasiado grande para o que faço. Não encontrei consenso e por isso, a contra-gosto, fui com a manada (ainda que com um nítido gosto amargo por não me conseguir rever ou identificar neste conceito de consultora).
Boa, então, vais ter um espaço físico, e nesse espaço vais ser consultora. Consultora de quê?? Como se o problema da definição profissional não fosse em si própria já uma luta, com ela vem a segunda questão: o da profissão em si…
A conversa regra geral começa assim:
– Fazes o quê?
– Sou consultora.
– Ah! que giro! Em que empresa!?
– Não, não é assim. Sou consultora de babywearing.
– Ah! Que giro! Mas isso é o quê?
– Então… é… ajudo mães a carregar bebés.
– Ah! Em marsúpios!!! Que giro, não sabia que isso existia!
– Não. Eu não disse isso.
– Hum… então?
… pois… não é fácil pois não?
Cada vez que cada uma de vocês diz no grupo Babywearing Portugal: “preciso de um babywering para o meu filho”, morre um unicórnio. Cada vez que uma de vocês diz: “o meu babywearing não me deixa bascular bem a bacia” uma pixie perde as asas. JURO!!!!
Afinal, porque temos tanta dificuldade em dizer o que fazemos/usamos?!?!?! Foi exatamente esta problemática (a da consultora estou a tentar interiorizar… ainda!) que me lançou para a tal pergunta de domingo de manhã: se eu tivesse um espaço físico, que nome lhe dava?!?!
Como é que se explica à vizinha da loja ao lado, à senhora de bengala, à tia-avó cheia de boa vontade o que estamos ali a fazer?!?! No mínimo vão dizer que a “rapariga” do nº 50 é uma gaiteira, metida a lambisgóia que faz umas coisas estrangeiras. Até ao dia que perdem a vergonha e perguntam: ó menina, qué isso do baby-coisas?! ah!! Carregam à antiga? Como se fazia na aldeia e lá em África! Que engraçado! Então vendem xailes…
E aqui a coisa divide-se em dois problemas: a tradução e definição do que é Babywearing e o VENDER.
Sobre vender… nós somos um povo comercial! Somos um caso de estudo pela nossa reação espontânea à promoção no ponto de venda, e a essa capacidade orgulhosa de possuir bens. Contrariamente ao reino unido que é provavelmente a nossa maior referência enquanto “comunidade”, por lá existe uma coisa chamada Sling Library. As Sling Libraries existem enquanto espaço físico gerido por consultoras, acompanhantes e voluntárias, com grandes bibliotecas de porta-bebés. Ou seja, uma Biblioteca de Porta-Bebés (sling library) é um negócio de aluguer e consultadoria, onde não se vende, mas se ajuda, esclarece e mostram várias coisas diferentes, de forma isenta. Estas bibliotecas podem existir num único espaço físico, ou serem gigantes com mais de 700 tipos diferentes de porta-bebés distribuídos por ações mais pequenas que podem passar por encontros mensais em cafés onde a pessoa, sob marcação, tem os seus 15 minutos gratuitos com uma consultora ou voluntária, que de forma rápida e sucinta explica o funcionamento do dito porta-bebés. Se a pessoa quiser um acompanhamento mais profundo pode também marcar uma consulta ou participar num workshop dinamizado pela sling library.
Portanto, em resumo, as slingl ibraries (bibliotecas de porta-bebés) são espaços onde experimentamos carregadores e temos apoio. Não há vendas. Ora culturalmente, para a mentalidade portuguesa, isto não é propriamente fácil de encaixar.
Até hoje, em Portugal, tivemos uma sling library à semelhança das que existem no Reino Unido. Mas cá é quase impossível fazê-lo por causa da ausência de vendas. Uma biblioteca tem que ser isenta. Ou seja, aqui o problema reside em querermos sempre saber o que os outros acham que é melhor e esquecermo-nos de experimentar o que efetivamente é melhor para nós. Queremos a validação dos outros e esquecemo-nos quanto do peso que a dinâmica mãe-bebé-biótipo-necessidade está implícita nessa escolha. Estou a fazer sentido?
Ou seja, em Portugal, é muito pouco provável que uma biblioteca tenha sucesso, se não fizer vendas, porque aqui funcionamos de três formas: compra por impulso, compra on-line, compra no ponto de venda. Por isso, ter um espaço que se limita a alugar e cobrar por apoio, parece algo surreal, do mundo dos “coitadinhos”.
Na verdade, de forma inconsciente, adaptámos a realidade internacional à nossa própria realidade e as consultoras tendem a ter as suas próprias bibliotecas de porta-bebés que alugam aos seus clientes. Gastamos mais dinheiro individualmente e andamos numa “rivalidade” para ver quem tem a biblioteca mais completa. Temos consultoras-lojistas que alugam as suas marcas de eleição. Tentamos ser as mais baratas, mais completas, mais especiais… Na verdade, nada neste processo é isento. Mas é o melhor que conseguimos por cá. E vá, nós somos emocionais, sejamos orgulhosos dos nossos “defeitos”!!!
Bom, com esta dissertação sobre a parte comercial, perdi-me no essencial… afinal, porque temos tanta dificuldade em traduzir babywearing?!?!?!
Há quase um ano que tento evitar a palavra babywearing. Lá está, acho que é um chavão e ensinaram-me que, efetivamente, o que fazemos é dar colo. Que a essência é o colo e não o que usamos para carregar. Por isso, achei que provavelmente a resposta para esta minha dúvida estava nessa formação que fiz. Parei tudo e fui ver os (muito poucos) apontamentos que fiz da minha formação enquanto consultora. Encontrei ZERO vezes a palavra babywearing… Fui ler o primeiro texto que escrevi quando saí da formação, sobre desconstrução e de repente as coisas foram-se tornando mais claras. Há um ano eu aprendi que o babywearing não existe, que existe o colo. E é isso que uma consultora de babywearing faz: ensina a dar colo, porque aparentemente esquecemo-nos disso. Mas caramba, se é SÓ isso, porque é tão difícil dizer que somos consultoras de colo?!?!?! Afinal, é o que somos, não é verdade?!?!
Tentei, mais uma vez, desconstruir as coisas. Se não conseguimos traduzir um termo, se não conseguimos dar corpo a esse termo, pode eventualmente existir algum erro na sua formulação inicial. Lembro-me sempre da dificuldade de traduzir a SAUDADE por ser mais do que um sentimento… se calhar, isto do babywearing também… #sqn
Na verdade, aquilo que fazemos é transportar um bebé (carry a baby). Usamos porta-bebés (baby-carrier) para o fazer (e sim, é um marsúpio, na sua essência, por muito que haja gente inocente, quase trespassada por lanças por dizer a palavra proibida em vez de mochila ergonómica). E usamos portes/posições diferentes (carries). Então, porque diabos dizemos babywearing e não babycarrying?!?!?
É carregar um bebé. Não é vestir o bebé. Se deixarmos de dizer Babywearing e passarmos a dizer baby-carrying já conseguimos dizer que ensinamos a usar porta-bebés. Que ensinamos a transportar num porta-bebés. Que ensinamos a dar colo.
A nossa grande dificuldade em traduzir à letra o babywearing (enquanto disciplina) prende-se efetivamente no palavrão supra-mencionado. Porque se utilizarmos Baby-carrying é tudo tão mais fácil!!!!
Então, e no fim desta conversa toda, como é que se vai chamar o teu espaço físico?!?!?!?!
Ahahahahah!!! Espaço físico??? Eu só queria dormir mais 30 minutos aos domingos de manhã!!!